resgate

você estava na estrada de chão batido ao lado

de um carro {com a porta aberta} empoeirado dos anos 90 

e chorava alto como quem brigava

com a luz do sol do meio-dia

que entrava pelos poros

e sua fralda entreaberta, com sangue,

sem roupinhas.


ao redor, o completo abandono.

ninguém à vista no mercadinho de chão de madeira

que cheirava a carne de frigorífico

e produtos vencidos em 1993.


cheguei perto de você

com meus cortes e cicatrizes

envolvi você em meus braços

coloquei meu casaco branco sobre seu corpo

e você me olhava com olhos arregalados e cansados

de quem esperou trinta anos

por um abraço.


meu choro pingava em seus olhos

e seus dedos alcançavam meu rosto

enxugando nossa vista de um mundo seco, pequeno.


nosso horizonte é curto,

e nossa alma tão imensa.


esse mundo não foi feito pra gente, menina,

mas olha

agora podemos pisá-lo com força

e vou ensiná-la a quebrar a parte seca

começando por essas palavras.

2 comentários sobre “resgate

Deixe um comentário